a Bibliotecária Professora Ângela Tavares contou
"O
Encontro com a Dama das Histórias"
às várias turmas do 1.ciclo e grupos do JI :
Pedro vivia com os pais, com o gato Afonso e com o seu coelho
branco, numa linda casa de ardósia. Era um rapazinho “quase” como os outros…,
com a diferença de que nunca parava de fazer perguntas. Cem por hora, dez por
minuto! Pequenino, ainda antes de saber falar, apontava para uma coisa com ar
interrogativo e, se a resposta tardava, punha-se a berrar e ficava muito
vermelho. “Porque é que o chocolate é castanho? E porque é que os coelhos não
gostam de chocolate? E porque é que o açúcar é doce? E como se faz o açúcar? E
porque é que se diz que os Marcianos são verdes se ainda ninguém os viu?” Os
pais olhavam para o céu à procura de solução, mas não caía nenhuma resposta. Quanto mais o Pedro
crescia, mais eles coçavam a cabeça, porque, com a idade, as questões tornam-se
cada vez mais complicadas. Era, por exemplo: “De onde vêm as doenças? Porque é
que os velhos acabam sempre por morrer? E porque é que eu sou eu e não sou o
Robin dos Bosques? E onde é que eu estava antes de nascer?” Eram perguntas que
exigiam um pouco mais de tempo, e quando os pais estão ocupados a mudar um pneu
do carro ou a fazer o jantar, é-lhes difícil responderem. Quando fazia certas
perguntas (sobre os bebés, as doenças, a morte, por exemplo) a mãe abanava a
cabeça e respondia:
— Hum… É uma pergunta muito delicada, meu filho. Dá-me tempo
para pensar — e, sistematicamente, ou por se ter esquecido, ou porque também
ela não sabia organizar as frases, a mãe de Pedro ficava calada.
Há uma idade em que, à
força de se fazer muitas perguntas e de não se obter resposta, se acaba por
desistir. Foi por isso que, no dia em que Pedro encontrou o Coelho Branco morto
na gaiola, não fez qualquer pergunta à mãe, com receio de a embaraçar. “Com
certeza”, pensava ele, “certas palavras como morte, doença, fazer bebés, são
palavrões. ”
Então, o rapazinho enterrou o coelho em silêncio e, com ele, a
sua pergunta. Refugiou-se no jardim, na tenda que tinha só para si, como fazem
com frequência os filhos únicos, e reflectiu na vida, na existência, e tudo
aquilo gerou uma pequena nuvem negra que lhe dava voltas dentro da cabeça.
Ficou triste e sentiu frio. Não sabia que àquilo se chamava “solidão”.
Um dia, a meio da tarde, estava Pedrito refugiado na tenda,
quando ouviu uma voz muito meiga. Viu então uma senhora de olhos profundos e
escuros que o observava a sorrir. Podia tê-la encontrado no sótão, no meio das
coisas velhas, no céu durante um baptismo de ar num helicóptero, durante a
pesca, ou num concurso de música.
— Bom dia, Pedro —
disse-lhe a senhora.
— Sabes quem sou? Sou a Dama das Histórias.
— A Dama das
Histórias?!
— Sim! A Dama das
Histórias. Venho visitar os meninos como tu, que têm uma nuvem negra no coração.
Venho para lhes dizer que nos livros há histórias que podem dar-lhes respostas.
— Respostas a todas as MINHAS perguntas? — perguntou Pedrito
arregalando os olhos.
A Dama das Histórias hesitou:
— Não vais encontrar
forçosamente TODAS as respostas, mas sim TODAS as tuas perguntas. Verás, ao
leres, que outros fazem as mesmas perguntas que tu. É por isso que os livros
são feitos para os meninos curiosos, para aqueles que têm milhares de perguntas
e que, além disso, querem viver várias vidas ao mesmo tempo. Podes ser, ao
mesmo tempo, Robin dos Bosques ou Peter Pan, sem precisares de qualquer
requisito especial! E o mais maravilhoso é que, nos livros, aprendes a viver, a
respirar, a experimentar coisas, a brincar… A fazer muitas coisas que não
conhecias! Apenas com algumas palavras, papel e muita imaginação…
A Dama entregou-lhe um
livro, que ele agarrou com avidez. À medida que lia, a pequena nuvem negra ia
desaparecendo e Pedro sentia- -se tão aliviado que teve vontade de cantar. O
vento nas árvores murmurava: “Lê, lê… É tão bom ler!” E os pássaros juntavam-se
no ninho para o verem saborear o livro.
Enquanto o folheava, Pedrito tinha a impressão que ouvia os
murmúrios dos gnomos que, com ele, viravam as páginas. Na realidade, ele já não
se encontrava no jardim. Já não estava na cabana. Tanto podia estar num avião,
num barco, como num castelo, com o rei Artur.
Era tudo isto ao mesmo tempo. Sentia coisas que nunca antes
tinha vivido: o gosto do mar nos lábios, ele que nunca vira o mar, o sabor de
um bolo de limão, ele que nunca o tinha provado, o coração que pula no peito
quando se está apaixonado, ele que era tão tímido com as raparigas!
Levantou os olhos do
livro para perguntar à Dama das Histórias como é que simples páginas, tinta e
papel, e talvez também imaginação, podiam produzir aquele efeito. Mas a Dama
das Histórias já tinha desaparecido. Ao longe, ouviu a sua voz doce dizer-lhe
(ou talvez fosse o murmúrio do vento nas árvores!):
— Pedro, hei-de voltar. Existem centenas de milhares, milhões
de livros!
A nuvem escura das perguntas condensadas tinha desaparecido.
No seu lugar, havia uma nuvem transparente, cheia de desejo de ler os milhares
e milhões de livros do mundo inteiro.
A partir daquele dia, Pedro nunca mais se sentiu oprimido
pelas perguntas. Quando começava a ter frio, a sentir-se só e tristonho, pegava
num livro e a magia recomeçava.
Sophie Carquain
Petites histoires pour devenir grand
Paris,
Ed. Albin Michel, 2003
(Tradução
e adaptação)
Algumas alunas do 4.º Ac ajudaram a preparar a cópia que foi entregue a cada aluno
"Petites Histoires pour devenir grand"
De Sophie Carquain
"Gostaríamos
que a infância se passasse sem “nuvens” a ensombrá-la. No entanto, é pontilhada
com problemas, angústias, tristezas, que fazem sofrer mas também crescer. Para os
enfrentarem e conseguirem superar, as crianças precisam de poder falar deles… e
que nós lhes falemos deles. Como a imaginação é o modo privilegiado para comunicar
com as crianças, as pequenas histórias de Sophie Carquain ajudam-nas, casualmente,
melhor que uma proposta pedagógica. Das dificuldades da noite aos grandes
problemas do monde (guerras, publicidade, obsessão por dinheiro), passando pelo
ciúme, o divórcio, a diferença,… a criança é ávida pela verdade. Ainda se deve
abordar estes temas “à distância”, nas suas linguagens, com as personagens que
lhes são queridas: ursos, ratinhos, pequenas princesas, coelhos, lua, sol….
Graças a este livro, os pais / adultos encontram um suporte para abordar as
preocupações das crianças, com elementos de reflexão para melhor os compreender."
in:
Muito Obrigado, Dr.ª Ângela Tavares, pela escolha desta história, e pela forma como a trouxe, neste Dia tão especial!!
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